Se o devedor do seu processo não tiver bens em seu nome, mas possuir ações ou quotas de sociedades simples ou empresárias, conforme prevê o artigo 835, inciso IX, do CPC, você poderá penhorá-las para garantir o recebimento do crédito.
Essa hipótese, que ocupa a nona posição de preferência do rol do artigo, tem caráter subsidiário, sendo utilizada apenas quando as demais modalidades de penhora não são viáveis. Isso demonstra a intenção do legislador de priorizar bens de liquidez mais simples e procedimentos menos complexos.
O procedimento detalhado para esse tipo de penhora está previsto no artigo 861 do Código de Processo Civil e consiste, basicamente, nas etapas que esquematizamos para você neste fluxograma ✨.
Um pouco de contexto histórico
Por mais incrível que pareça, essa possibilidade de penhora remonta a 1850, no século XIX!
O Decreto 737/1850, em seu artigo 498, já previa que “o credor particular de um sócio só pode executar os fundos líquidos, que o devedor possuir na companhia ou sociedade, não tendo este outros bens desembargados”.
O Código Comercial do Império, também de 1850, reproduziu disposição semelhante em seu artigo 292.
Mais tarde, o CPC de 1939, no artigo 943, inciso III, manteve o entendimento ao permitir a penhora dos “fundos líquidos que possuir o executado em sociedade comercial”, na falta de outros bens.
Essa evolução legislativa demonstra o reconhecimento, ao longo dos séculos, da necessidade de alcançar as participações societárias para assegurar a efetividade da execução, afinal, o objetivo da execução é satisfazer o crédito, e não blindar o devedor.
Marco do Código Civil de 2002
O artigo 1.026 do Código Civil consolidou esse entendimento ao dispor que “o credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação”.
O parágrafo único desse artigo inovou ao permitir que o credor requeira a liquidação da quota do devedor mesmo que a sociedade não esteja dissolvida — um divisor de águas na matéria.
O que diz a jurisprudência
O entendimento do STJ é pacífico: a penhora de quotas “apenas deve ser adotada quando não houver outros bens ou meios de pagamento da dívida”, respeitando o princípio da menor onerosidade da execução.
Essa orientação busca equilibrar os interesses do credor com a preservação da atividade empresarial e os direitos dos demais sócios ▶️STJ.
Princípio da affectio societatis
Esse princípio protege o elemento subjetivo das sociedades de pessoas, que é a vontade de colaborar para um fim comum.
A legislação processual civil resguarda esse vínculo ao criar mecanismos que impedem o ingresso forçado de terceiros na sociedade, todavia, o STJ já pacificou o entendimento de que a penhora de quotas não viola o princípio da affectio societatis, pois não implica automaticamente a inclusão do credor na qualidade de sócio.
Em outras palavras: é possível penhorar as quotas sem desestruturar a sociedade.
Rito procedimental do art. 861 do CPC
Esse artigo estabelece que, uma vez penhoradas as quotas, o juiz concederá um prazo razoável, de até três meses, para que a sociedade:
- Apresente balanço especial;
- Ofereça as quotas aos demais sócios, respeitando o direito de preferência; ou
- Proceda à liquidação, depositando em juízo o valor apurado, caso não haja interesse de compra.
Simplificando:
1ª fase: apresentação de balanço especial;
2ª fase: direito de preferência dos sócios;
3ª fase: oportunidade de aquisição pela sociedade;
4ª fase: liquidação das quotas, caso não sejam adquiridas;
5ª fase: leilão judicial e depósito do valor em juízo.
Concluindo
Como deu para perceber, a penhora de quotas societárias é um mecanismo jurídico antigo, mas em constante aperfeiçoamento, que busca equilibrar dois interesses delicados: o direito do credor de receber o que lhe é devido e a proteção da empresa e dos demais sócios.
Na prática, é uma medida excepcional, mas eficaz, especialmente quando o sócio possui participação relevante.
O ponto central é que a penhora das quotas não torna o credor sócio da empresa — apenas garante o direito sobre o valor equivalente àquelas quotas, seja em lucros ou na liquidação delas.
Em suma: é uma solução legítima, inteligente e regulamentada para assegurar o cumprimento da obrigação sem comprometer a continuidade da empresa.
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